Salvador, uma das cidades mais antigas do Brasil, conhecida por sua cultura rica, arquitetura colonial e influência africana, enfrenta uma dura realidade: está entre as capitais mais violentas do país. A capital baiana, que deveria ser sinônimo de turismo, alegria e diversidade, tornou-se, nos últimos anos, palco de conflitos armados, homicídios em alta e avanço do crime organizado.
Com mais de 2,8 milhões de habitantes, Salvador vive uma crise profunda de segurança pública, onde a sensação de medo se espalha dos bairros periféricos às áreas centrais. Tiroteios, execuções, assaltos e toque de recolher fazem parte do cotidiano de milhares de soteropolitanos.
Neste artigo exclusivo do Brasil Contra a Corrupção, vamos analisar os principais fatores que colocaram Salvador nesta posição crítica, os impactos sociais desse cenário e os caminhos possíveis — e urgentes — para frear o avanço da violência.

Salvador em Alerta: O Avanço da Violência
Os Números Não Mentem
De acordo com o Atlas da Violência 2024, Salvador aparece no topo do ranking entre as capitais com maior taxa de homicídios por 100 mil habitantes. A maior parte das vítimas são jovens negros, moradores da periferia e, muitas vezes, sem acesso à educação ou emprego formal.
Segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública:
- Mais de 1.500 homicídios ocorreram em Salvador em 2023.
- A taxa de homicídios é 3x maior que a média nacional.
- Cerca de 80% dos crimes têm ligação direta com o tráfico de drogas e disputas entre facções.
- Os índices de elucidação de crimes são inferiores a 10%.
“A cada dia, Salvador perde sua identidade para o medo”, diz Rafael Santos, morador do bairro de Tancredo Neves, um dos mais afetados pela guerra entre facções.
As Causas da Crise de Segurança
1. Guerra de Facções
Nos últimos anos, Salvador tornou-se palco de uma verdadeira guerra urbana entre facções criminosas. Grupos como BDM (Bonde do Maluco), Comando Vermelho e outras facções locais disputam o controle de territórios, pontos de venda de drogas e rotas de transporte de armas.
Bairros como:
- Tancredo Neves
- Engomadeira
- Sussuarana
- Uruguai
- Avenida San Martin
- Pernambués
… estão entre os mais afetados por tiroteios frequentes, execuções públicas e imposição de regras criminais sobre os moradores, como toque de recolher, cobrança de taxas e proibição de circulação em determinadas áreas.
2. Ausência de Policiamento Efetivo
Embora Salvador conte com diversas unidades da Polícia Militar e da Polícia Civil, a falta de estrutura, efetivo reduzido e pouca atuação em inteligência criminal são gargalos que impedem uma resposta eficiente à escalada da violência.
As viaturas são escassas, os batalhões sobrecarregados, e as delegacias enfrentam baixa taxa de resolução dos crimes.
3. Desigualdade Social Histórica
A histórica desigualdade social de Salvador — com bairros ricos e estruturados convivendo com regiões em situação de extrema pobreza — é combustível para o crescimento da criminalidade. A falta de acesso à educação, saúde, lazer e emprego leva jovens a se tornarem alvos fáceis para o recrutamento das facções.
Essa exclusão social aprofunda o ciclo da violência e impede qualquer tentativa de solução sustentável a longo prazo.
4. Sistema de Justiça Fragilizado
Outro elemento preocupante é a ineficiência do sistema judicial. A maioria dos crimes sequer chega a julgamento. Faltam promotores, defensores públicos, peritos criminais e infraestrutura. O resultado? Impunidade generalizada.
Os Impactos na Vida dos Moradores
1. Rotina de Medo
Muitos bairros de Salvador vivem sob ameaça constante. Moradores evitam sair de casa à noite. Escolas precisam suspender atividades por conta de tiroteios. O medo se instalou nas igrejas, nos mercados, nos pontos de ônibus e até nas praias.
“Não é só nas favelas. Já vi arrastão na Barra, em plena luz do dia”, afirma Jéssica Nogueira, moradora de Ondina.
2. Fuga do Turismo e Prejuízo Econômico
A violência tem afastado turistas e diminuído os investimentos no setor de serviços, que é o motor da economia local. Empresários reclamam da queda no faturamento, do medo dos clientes e do aumento de gastos com segurança privada.
3. Crianças e Jovens Sob Risco
O principal impacto da violência recai sobre os jovens de comunidades vulneráveis. Muitos são assassinados antes dos 20 anos. Outros, aliciados por facções, têm seu futuro comprometido.
As escolas públicas enfrentam evasão, alunos amedrontados e professores acuados. O ambiente de aprendizagem foi substituído pelo da sobrevivência.
O Papel do Estado: Entre a Inação e a Retórica
Falta de Planejamento e Continuidade
Nos últimos anos, o Governo do Estado da Bahia lançou iniciativas como o Pacto pela Vida e programas pontuais de reforço do policiamento, mas os resultados têm sido tímidos. Especialistas apontam que essas ações não se sustentam a longo prazo, carecem de integração com políticas sociais e têm pouca transparência nos resultados.
Prefeitura de Salvador: Ausência no Debate da Segurança
Embora a segurança pública seja responsabilidade estadual, a Prefeitura de Salvador não pode se isentar. O município precisa colaborar com ações de prevenção, urbanização de áreas de risco, apoio social e fortalecimento da juventude.
“É inaceitável que a segunda maior cidade do Nordeste viva uma guerra urbana e nenhuma autoridade assuma a responsabilidade”, critica o sociólogo Marcos Andrade.
O Que Precisa Ser Feito? Soluções e Propostas
1. Reestruturação da Segurança Pública
- Reforço do efetivo policial nas áreas críticas
- Criação de Bases Comunitárias de Segurança
- Ampliação do uso de inteligência policial, drones e câmeras urbanas
- Integração entre polícias, Ministério Público e Judiciário
2. Educação e Projetos Sociais como Prioridade
- Escolas em tempo integral em regiões de risco
- Criação de centros culturais, esportivos e tecnológicos
- Programas de primeiro emprego, bolsas para jovens e assistência familiar
3. Reforma Urbana
- Melhoria da infraestrutura em comunidades vulneráveis
- Iluminação pública, asfaltamento, saneamento básico e áreas de lazer
- Presença permanente do Estado para desconstruir o domínio das facções
4. Participação Comunitária
- Incentivo à formação de conselhos de segurança comunitária
- Apoio a lideranças locais, igrejas, ONGs e movimentos sociais
- Criação de mecanismos de denúncia segura e fiscalização popular
Dicas para os Moradores
- Use o Disque Denúncia (181) de forma anônima para relatar atividades suspeitas.
- Participe de audiências públicas e reuniões comunitárias sobre segurança.
- Evite compartilhar fake news, que podem gerar pânico desnecessário.
- Organize redes de vizinhança solidária, promovendo comunicação segura entre moradores.
- Apoie iniciativas sociais em sua comunidade, incentivando jovens e famílias a buscarem alternativas ao crime.
Conclusão: Salvador Merece Mais que o Silêncio
Salvador vive um momento decisivo. A cidade não pode mais ser lembrada apenas pelas estatísticas da morte, pela presença do medo e pela ausência do Estado. O povo soteropolitano — forte, criativo e trabalhador — merece viver com dignidade, paz e liberdade.
A violência é resultado direto da negligência histórica, da corrupção institucional e da desigualdade social. Mas é também possível revertê-la com vontade política, mobilização social e fiscalização ativa.
O Brasil Contra a Corrupção seguirá acompanhando, denunciando e propondo. Porque não há transformação sem verdade. E não há justiça sem segurança para todos.